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Persépolis: Quando a Fé se Torna Lei e Controle

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Desde os tempos antigos, a fé acompanha a humanidade, seja nas preces por uma boa colheita ou na devoção a diferentes deuses e crenças. Com o passar dos séculos, o papel da religião mudou, mas sua influência continua presente, especialmente quando se entrelaça com a política. O avanço das civilizações levou o politeísmo a dar lugar — ou abrir espaço — para religiões monoteístas, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, entre tantas outras. Embora, com o tempo, a autoridade religiosa tenha perdido força frente ao Estado, sobretudo após revoluções e movimentos populares, o debate entre fé e política segue atual e controverso. A realidade retratada em Persépolis é um exemplo marcante desse embate, expondo os riscos de um governo teocrático, modelo ainda adotado por algumas nações ao redor do mundo.

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Alerta de Spoiler

Marjane é uma jovem que vive com sua família no Irã. Eles levam um estilo de vida moderno, equilibrando os costumes da cultura local com influências da cultura ocidental. A família, de tradição sunita e sem uma educação religiosa rígida, valoriza o pensamento crítico e a liberdade individual. Ainda criança, aos dez anos de idade, Marjane testemunha a queda do regime do Xá durante a Revolução Islâmica de 1979. Com a ascensão de um governo xiita e a imposição de uma teocracia, o Irã mergulha nas trevas do radicalismo religioso.

Temendo pelo futuro da filha, seus pais decidem enviá-la à França para concluir os estudos. Longe de casa, Marjane passa a refletir sobre as diferenças culturais e políticas entre Oriente e Ocidente, e percebe que retornar ao Irã pode ser mais perigoso do que jamais imaginou.

Fonte: Divulgação/Youtube
TRAILER 1 DO FILME Persépolis PORTUGUÊS

Persépolis é uma autobiografia em formato de história em quadrinhos, escrita por Marjane Satrapi e publicada no início dos anos 2000. Dividida em quatro partes, a obra narra, com sensibilidade e traços marcantes, a trajetória da autora desde a infância até a vida adulta, atravessando questões como liberdade, identidade, repressão e pertencimento. A adaptação cinematográfica, uma animação em preto e branco, mantém o tom íntimo e reflexivo da obra original, oferecendo ao espectador uma perspectiva única e pessoal sobre eventos históricos complexos.

Ainda criança, Marjane frequentava uma escola bilíngue onde aprendeu persa e francês, e cresceu em uma família instruída, aberta ao pensamento crítico e às influências do Ocidente. No entanto, sua rotina muda quando o Irã passa por um período de grande instabilidade política. O governo do Xá, que promovia uma agenda de modernização alinhada ao Ocidente, enfrentava fortes críticas internas, acusado de autoritarismo, perseguições e desigualdade social. O clima de insatisfação levou a uma onda de protestos que culminou em sua queda, abrindo caminho para uma mudança radical no país, desde transformações na vida cotidiana ao universo escolar, especialmente na liberdade das mulheres.

Com a queda do Xá, o poder no Irã foi assumido pelo Aiatolá Khomeini, uma figura religiosa de grande influência que instaurou uma república teocrática baseada nos princípios do islamismo xiita. Diferentemente do islamismo sunita — interpretado, em algumas regiões, de maneira mais flexível e com maior separação entre religião e Estado – o regime xiita imposto no Irã passou a fundir totalmente as leis religiosas (sharia) com as leis civis. A nova ordem transformou o país em um Estado altamente controlado, onde qualquer comportamento considerado “ocidental” era visto como ameaça moral e política.

Fonte: Divulgação/Youtube
Persepolis | Official Trailer #2 (2007)

Com o passar do tempo, as restrições se intensificaram: músicas, roupas, filmes, festas, bebidas alcoólicas e até comportamentos sociais mais livres foram proibidos. O sentimento antiocidental e antiamericano cresceu, e a repressão tornou-se parte do cotidiano. Toques de recolher foram instituídos, e denúncias por posse de objetos considerados “subversivos” podiam levar à prisão, tortura ou execução. As mulheres, em especial, foram diretamente afetadas por essa nova realidade. Eram obrigadas a usar o véu islâmico em público, independentemente da idade, e não podiam sair desacompanhadas de um homem. Além disso, a vigilância sobre elas era feita não apenas por soldados, mas também por mulheres conhecidas como “guardiãs da revolução”, que patrulhavam e denunciavam outras mulheres que não seguiam o padrão de conduta imposto pelo regime.

Ao ser enviada para o exterior, Marjane se depara com um novo tipo de desafio: fora do Irã, ela passa a experimentar a liberdade individual que lhe era negada em seu país, mas também enfrenta o preconceito. Em meio ao clima de tensão internacional e à guerra entre Irã e Iraque, Marjane percebe que sua religião e sua nacionalidade são estigmatizadas no Ocidente. Para se proteger, sente-se obrigada a esconder sua origem. Como uma jovem que se identifica com o movimento punk e com ideias progressistas, ela vive um conflito profundo entre suas raízes e o mundo que agora descobre.

Ao retornar ao Irã, Marjane encontra um país ainda mais rígido, agora completamente submetido às leis da sharia, com um controle mais severo sobre a vida individual, especialmente das mulheres. Diante dessa realidade, ela sente o peso de ser uma pessoa com pensamento livre, fruto de uma educação baseada em valores progressistas e críticos. Em meio à repressão, sua família reconhece que o Irã se tornou um ambiente hostil para quem deseja pensar, questionar e viver com autonomia.

A imposição de regimes teocráticos não é um fenômeno exclusivo do Irã contemporâneo: ao longo da história, outras sociedades também fundiram leis religiosas com o poder do Estado, muitas vezes com consequências devastadoras. Durante a Inquisição conduzida por instituições ligadas à Igreja Católica na Europa, milhares de pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas sob acusação de heresia ou bruxaria. Já no século XVII, na colônia de Massachusetts, nos Estados Unidos, o episódio da caça às bruxas de Salém resultou na morte de 20 pessoas em um contexto de histeria coletiva e forte controle moral por parte de um governo puritano, também baseado em preceitos religiosos.

Esses episódios históricos ajudam a entender que regimes teocráticos tendem a restringir liberdades individuais e a promover perseguições em nome de uma verdade religiosa absoluta. No caso do Irã, apesar das manifestações populares nos últimos anos, especialmente lideradas por mulheres, a teocracia xiita ainda se mantém firme, sustentada por instituições religiosas poderosas e um sistema político autoritário.

Fonte: Divulgação/Youtube
PERSÉPOLIS – Tráiler #2 Español

Persépolis foi um enorme sucesso editorial, traduzido para diversos idiomas e conquistando leitores ao redor do mundo. A adaptação cinematográfica de 2007 também foi muito bem recebida pela crítica, acumulando prêmios importantes, como o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, os César de Melhor Adaptação e Melhor Primeiro Filme, o Troféu Sutherland, além de uma indicação ao Oscar de Melhor Animação. A obra original de Marjane Satrapi recebeu ainda reconhecimentos por sua contribuição literária e artística. O título do filme e da obra faz referência à antiga cidade de Persépolis, capital do império persa, símbolo de uma rica história que hoje corresponde ao território do Irã.

Mais do que uma narrativa pessoal, Persépolis reforça que o direito à liberdade — seja como mulher, indivíduo ou ser humano – não deveria depender do lugar onde se nasce. O filme também nos lembra que a intolerância religiosa, quando entrelaçada ao poder político, permanece uma ameaça constante à dignidade e aos direitos humanos, em qualquer tempo e lugar.

 


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